Configura crime, punido com reclusão de quatro a oito anos, e multa, a dispensa indevida de licitação, nos termos do tipo capitulado no art. 337-E do Código Penal, tal como estabelecido pela Lei 14.133/2021, que revogou o correspondente delito outrora previsto no art. 89 da Lei 8.666/93.
Eis o tipo penal:
Contratação direta ilegal (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)
Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)
Pune-se o agente público que admite, possibilita ou dá causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei. Em relação ao particular, a Lei 14.133/2021 não reproduziu no art. 337-E a cláusula de extensão prevista no parágrafo único do art. 89 da Lei 8.666/93, segundo o qual “na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público”.
Tal omissão, contudo, não impede a punição do particular, desde que fique demonstrado que auxiliou, induziu ou instigou o autor principal, caso em que incidirá nas mesmas penas na medida de sua culpabilidade, por força do art. 29 do Código Penal.
De outro lado, a punibilidade depende da demonstração de que a contratação direta efetivou-se fora das hipóteses previstas em lei, tratando-se de verdadeira norma penal em branco,
E nesse particular é muito importante observar que tais hipóteses, atualmente, constam tanto das Leis 8.666/93 e 14.133/2021. Isso porque a Lei 8.666/93 somente será revogada em 30 de dezembro de 2023, nos termos do art. 193, inciso II, da Lei 14.133/2021, com redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023. Nesse período, poderão ser aplicados ambos os diplomas, desde que não haja combinação da nova e da antiga legislação, por força do disposto no art. 191 da Lei 14.133/2021.
Melhor explicando.
Neste período (entre a publicação da Lei 14.133/2021 até 30 de dezembro de 2023) teremos a aplicação de duas Leis, mas o ato ou contrato administrativo deve especificar qual delas o regerá, sendo vedada a combinação das normas. Assim, neste período a complementação poderá se originar, conforme o caso, da Lei 8.666/93 ou da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, abrangendo tanto situações em que o procedimento é viável, mas a lei autoriza sua dispensa (arts 24 da Lei 8.666/93 e 74 da Lei 14.133/2021), quanto hipóteses em que a impossibilidade de competição tonam sua realização inexigível (arts. 25 da Lei 8.666/93 e 75 da Lei 14.133/2021).
No entanto, a punição somente se afigura possível se, além da dispensa indevida, houver dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo à administração pública, nos exatos termos da orientação consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RHC 108.813/SP, AgRg no AREsp 1.426.799/SP, HC 490.195/PB, RHC 115.457/SP, AgRg no RHC 108.658/MG, HC 440.024/PR e HC 498.748/RS, todos julgados no ano de 2019).
Dessa forma, o simples fato de se beneficiar de uma contratação direta não é, por si só, conduta criminosa.
De idêntica forma, não prática ato de improbidade administrativa o particular que tão somente se beneficia de eventual conduta ímproba praticada pelo agente público. Com efeito, de acordo com o art. 3º da Lei 8.429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa” – LIA), o particular somente poderá ser responsabilizado se induzir ou concorrer dolosamente para a prática do ato de improbidade.
É bem verdade que tal entendimento é recente e decorre da modificação operada pela Lei 14.230, de 2021, que deu nova redação ao art. 3º da Lei 8.429/92 (“LIA”) e excluiu a punibilidade do particular que se beneficie do ato de improbidade de forma direta ou indireta.
Daí emerge a questão relativa aos terceiros que se beneficiaram da improbidade antes da Lei 14.230/2021. Trata-se de investigar se é possível retroagir os efeitos da revogação do comportamento reprovado para os fatos praticados antes da publicação da Lei 14.230/2021.
De início, convém lembrar que a Lei 14.230/2021 inaugurou um novo cenário no que tange à matéria administrativa punitiva, determinando a incidência dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º, da LIA). Em linhas gerais e considerando a doutrina majoritária, consagrou-se a extensão dos princípios do direito penal ao âmbito administrativo sancionador, dentre os quais se destaca a retroatividade benéfica.
O STF, entretanto, praticamente modulou a incidência do referido postulado no âmbito da improbidade, estabelecendo que a revogação da modalidade culposa de improbidade (um das normas benéficas da Lei 14.230/2021) aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, desde que a condenação não tenha transitado em julgado (Tema 1.199, de repercussão geral).
Entendimento que, em nosso sentir, deve ser aplicado aos processos pendentes que tenham por objeto imputações de improbidade fundadas, exclusivamente, no benefício direto ou indireto do particular.
Enfim, o particular que se beneficia de uma contratação direta considerada ilegal não comete, em tese, crime e nem incorre em ato de improbidade administrativa.
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