A licitação constitui um procedimento administrativo que como tal é composto de diversas fases/etapas, encerrando-se com a homologação e adjudicação do objeto licitado ao vencedor do certame.

Entretanto, circunstâncias posteriores ao seu processamento podem ensejar sua extinção de forma anormal, isto é, sem a definição da empresa a ser futuramente contratada, o que prejudica os fins visados pela Administração.

Nesse sentido, a Administração tem a prerrogativa de anular ou revogar a licitação nos casos de ilegalidade ou inconveniência, respectivamente. Trata-se de entendimento consolidado na Súmula 473 do STF, segundo o qual “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

No âmbito da licitação, o art. 49, caput da Lei 8.666/93 prevê sistemática semelhante ao dispor que “a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado”.

A adoção das mencionadas providências (anulação ou revogação) pressupõe a instauração de processo administrativo no qual é assegurado aos licitantes o direito de se manifestar a respeito da medida. É o que estabelece expressamente o § 3º do art. 49 da Lei 8.666/93: “No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa”.

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (nº 14.133, de 1º de abril de 2021), de idêntica forma, preconiza em seu art. 71, § 3º que nos casos de anulação e/ou revogação, será assegurada a prévia manifestação dos interessados.

Nada mais natural, eis que se cuida de uma decorrência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal.

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), interpretando restritivamente o art. 49, § 3º da Lei 8.666/93, já decidiu que é desnecessária a prévia manifestação dos licitantes quando a revogação operar-se em momento anterior à homologação/adjudicação.

Isso porque, segundo o mencionado entendimento, “só há contraditório antecedendo a revogação quando há direito adquirido das empresas concorrentes, o que só ocorre após a homologação e adjudicação do serviço licitado (STJ, RMS 200602710804, Rel. Eliana Calmon, DJE de 02.04.2008).

De acordo com esta concepção, o contraditório é um requisito acidental, pois somente será necessário se e quando a revogação efetivar-se após a homologação e adjudicação do objeto licitado.

A revogação é ato administrativo discricionário decorrente da superveniência de circunstâncias que evidenciem que a contratação se tornou inoportuna e inconveniente ao interesse público, não assegurando ao licitante vencedor direito à indenização.

Com efeito, “[…] a revogação, situando-se no âmbito dos poderes administrativos, é conduta lícita da Administração que não enseja qualquer indenização aos licitantes, nem particularmente ao vencedor, que tem expectativa na celebração do contrato, mas não é titular de direito subjetivo” (TRF5, Apelação Cível 200680000028972, Des. Federal Frederico Pinto de Azevedo, DJ de 23.01.2008.).

O desfazimento do certame, entretanto, depende de exauriente motivação em que se apontem os fatos ensejadores de sua adoção. Nesse sentido, aliás, preconiza Marçal Justen Filho: “não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, um ato discricionário e imotivado de extinção  da licitação por ‘cancelamento’. Se praticado o ‘cancelamento’, deverá verificar-se o motivo  invocado. Se não existir motivo algum, configura-se ato administrativo arbitrário e nulo” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 954).

Mesmo porque, a depender do motivo, se a revogação for determinada após a adjudicação, com a entrega do respectivo objeto, seguida de contratação direta, a terceiro que dela não participou, caracterizar-se-á ilegalidade flagrante, surgindo para o licitante prejudicado o direito à indenização correspondente ao que deixou de ganhar por força da revogação injustificada.

Enfim, a revogação autoriza o encerramento anormal da licitação sem qualquer direito à indenização ao licitante, salvo se demonstrada a existência de fraude.