A licitação caracteriza procedimento formal e burocrático, composto por diversas etapas, cada qual com suas particularidades. Conforme se avança, ocorre a perda do exercício da faculdade, fenômeno conhecido por preclusão. É o que se dá em relação ao licitante, que deve apresentar a documentação e a proposta no prazo fixado no edital, não podendo complementá-lo posteriormente.

Entretanto, excepcionalmente é possível a inclusão posterior de documento destinado a esclarecer ou complementar a instrução do processo através do instituto da diligência, a ser determinada a critério do pregoeiro, comissão de licitação ou autoridade superior.   

O § 3º do art. 43 da Lei 8.666/93 estabelece que o pregoeiro, a comissão de licitação e/ou autoridade superior pode promover diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.

A Lei 14.133/2021 (“Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”) autoriza a realização de diligência na fase de habilitação no art. 64, caput e incisos I e II, dispondo que após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

“I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas”.

Em ambos os preceitos legais, fica nítido que a diligência serve para esclarecer ou complementar a instrução, não podendo ser utilizada para permitir a apresentação de documento ou informação que devia consta originariamente da proposta.

Trata-se de importante mecanismo cuja finalidade é permitir que o pregoeiro, a comissão de licitação ou autoridade superior reúnam elementos suficientes para amparar a decisão relativa à contratação, O pressuposto central, portanto, é a existência de dúvida pela comissão ou autoridade superior sobre algum documento juntado pelo licitante.

Algumas questões práticas suscitam dúvidas sobre a realização, ou não, da diligência.

(1) É obrigatória sua realização?

Conquanto a Lei 8.666/93 afirme que se trata de uma “faculdade”, prevalece que a realização da diligência é um poder-dever, não havendo discricionariedade em sua realização. Nesse sentido leciona Marçal Justem Filho:

“A realização da diligência não é uma simples “faculdade” da Administração, a ser exercitada segundo juízo de conveniência e oportunidade. A relevância dos interesses envolvidos conduz à configuração da diligência como um poder-dever da autoridade julgadora. Se houver dúvida ou controvérsia sobre fatos relevantes para a decisão, reputando-se insuficiente a documentação apresentada, é dever da autoridade julgadora adotar as providências apropriadas para esclarecer os fatos. Se a dúvida for sanável por meio de diligência será obrigatória a sua realização.”(Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos, 16ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2014, pág. 804.)

Dessa forma, pairando dúvida sobre alguma informação da proposta ou documento, é obrigatória a realização da diligência, ainda que não prevista expressamente no edital. Elucidativo, a propósito do tema, o seguinte trecho de acórdão do STJ:

“No procedimento, é juridicamente possível a juntada de documento meramente explicativo e complementar de outro preexistente ou para efeito de produzir contra-prova e demonstração do equívoco do que foi decidido pela Administração, sem a quebra de princípios legais ou constitucionais” (STJ, REsp 5.418/DF, 1ª Seção, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 25.03.1998, DJe 01.06.1998).

A título de exemplo, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) registra precedente em que julgou adequada a diligência para aclarar incertezas sobre o atestado de capacidade técnica apresentado por licitante:

“REPRESENTAÇÃO. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES OCORRIDAS NA CONDUÇÃO DE CERTAME. INCERTEZAS SOBRE ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA DE LICITANTE. NÃO UTILIZAÇÃO DO PODER-DEVER DE REALIZAR DILIGÊNCIAS PARA SANEAR AS DÚVIDAS QUANTO À CAPACIDADE TÉCNICA DA EMPRESA. PRESERVAÇÃO DA CONTINUDADE DO CONTRATO QUE SE ENCONTRA EM FASE DE EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO. 1. O Atestado de Capacidade Técnica é o documento conferido por pessoa jurídica de direito público ou de direito privado para comprovar o desempenho de determinadas atividades. Com base nesse documento, o contratante deve-se certificar que o licitante forneceu determinado bem, serviço ou obra com as características desejadas. 2. A diligência é uma providência administrativa para confirmar o atendimento pelo licitante de requisitos exigidos pela lei ou pelo edital, seja no tocante à habilitação seja quanto ao próprio conteúdo da proposta. 3. Ao constatar incertezas sobre cumprimento das disposições legais ou editalícias, especialmente as dúvidas que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promover diligências, conforme o disposto no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993, para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para tomada de decisão da Administração nos procedimentos licitatórios” (Acórdão 3.418/2014, Plenário).

No entanto, é preciso muita atenção para evitar que a diligência seja utilizada como um mecanismo fraudatório dos princípios da competitividade e da igualdade, eis que será indevida sua realização quando:

(i) não houver dúvida sobre o conteúdo da proposta ou de documento apresentado pelo licitante;

(ii) visar a inclusão de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.

Se constatada a burla aos seus objetivos, o licitante deve se valer dos mecanismos impugnatórios (recurso administrativo ou mandado de segurança) para garantir a igualdade dos participantes no certame.

(2) É possível a juntada de documento novo nesta etapa?

Conforme visto, a diligência não pode ser realizada para complementar a instrução com documento faltante que devia ter sido apresentado com a proposta. No entanto, é possível a juntada de novos documentos para explicar ou complementar outros já apresentados.

Nesse sentido, elucidativo o seguinte acórdão do TCU?

“Em princípio, aceitar documentos apresentados por licitante após a fase de habilitação e apresentação de propostas significa fazer tábula rasa da impessoalidade, da isonomia e da objetividade do julgamento. Há, no entanto, situações em que a jurisprudência entende ser possível a juntada de documentos explicativos e complementares a outros já apresentados: Assim, o que se proíbe é o acréscimo de documentação que deveria ter sido apresentada em momento oportuno (habilitação ou proposta de preços), não a juntada de novo documento que tenha o objetivo de esclarecer o conteúdo de outro já entregue, por exemplo: existindo dúvida quanto ao conteúdo de um determinado documento, por meio da realização da diligência, poderá ser entregue outro, com o objetivo de esclarecer o conteúdo do primeiro. ” (TCU, Acórdão 18/2004 – Plenário).

Não obstante, em recente decisão no acórdão nº 1211/2021, o Plenário do TCU estabeleceu a possibilidade de o licitante submeter novos documentos para suprir erro, falha ou insuficiência, a fim de viabilizar a seleção da proposta mais vantajosa, promovendo a competitividade e o formalismo moderado.

Eis a ementa do julgado:

“REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO REGIDO PELO DECRETO 10.024/2019. IRREGULARIDADE NA CONCESSÃO DE NOVA OPORTUNIDADE DE ENVIO DE DOCUMENTAÇÃO DE HABILITAÇÃO AOS LICITANTES, NA FASE DE JULGAMENTO DAS PROPOSTAS, SEM QUE O ATO TENHA SIDO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PROCEDÊNCIA. REVOGAÇÃO DO CERTAME. MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA PREJUDICADA. CIÊNCIA AO JURISDICIONADO ACERCA DA IRREGULARIDADE. OITIVA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA SOBRE A CONVENIÊNCIA E OPRTUNIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE MELHORIAS NO SISTEMA COMPRASNET. Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”.

Para o sobredito órgão de contas, é lícito ao pregoeiro ou comissão de licitação a diligência destinada a sanear erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e de sua validade jurídica, desde que o faça mediante decisão fundamentada.

Enfim, a diligência, se bem utilizada, representa importante instrumento para auxiliar o pregoeiro, a comissão ou autoridade superior no exercício de suas funções; os licitantes, entretanto, devem acompanhar com cautela sua adoção para evitar que seja utilizada como subterfúgio para correção de vícios insanáveis, daí a importância de uma boa assessoria jurídica.

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